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Ainda sobre a ciência como vocação
| Content Provider | Semantic Scholar |
|---|---|
| Author | Bartholo, Roberto |
| Copyright Year | 2005 |
| Abstract | V i vemos um tempo onde a confrontação com os p o d e res e conquistas tecnocientíficas é constitutiva de nosso cotidiano. A crença numa onipotência para o Bem da intervenção tecnocientífica, elemento de base das ideologias do salvacionismo tecnocrático, pressupõe a cert eza de uma permanente capacidade a u t o c o r re t i va do vetor tecnológico para eventuais efeitos externos i n d e s e j á veis, sem que para isso se torne imperativa qualquer re v i s ã o de seus parâmetros e critérios de eficiência e eficácia. Pa rte dos dilemas de nosso tempo é o mal-estar quanto à corroboração de tais premissas pelos fatos da experiência. Os caminhos da modernidade hegemônica contemporânea, dita globalizada, parecem uma espiral cumulativa de distúrbios irreversíveis: degradação ambiental, exclusão social, violência e injustiça se associam à emergência de estados patológicos transformados em norma. A aceitabilidade social e a legitimidade ético-política de sistemas tecnocientíficos, que corporificam em si decisões grávidas de irreversibilidades sobre modos de vida presentes e futuros, são o problema central para as democracias. A neutralização ética da idéia de verdade e sua identificação com o conceito operacional de correção preditiva de proposições relativas a relações causais observáveis (e mensuráveis) na descrição de eventos s e rve de suporte para uma identificação entre saber e poder, congruente com a clássica formulação de Francis Bacon (1). Essa construção permeia o redesenho iluminista europeu do ideal do homem culto. Nele se expressa uma postura diante da vida a ser atingida com base numa atividade espiritual autônoma, capaz de superar, de forma dialética, a tutela imposta heteronomamente pela educação religiosa popular. Essa perspectiva tem expressão de incomparável clareza e concisão nos versos do Zahme Xe n i e n de J.W. Goethe: “... Quem possui ciência e a rte, tem também re l i g i ã o. Quem ambas não possui, tem re l i g i ã o”. A tecnociência contemporânea constitui-se em substância de coesão de um mundo artificial, fundado em hibridismos vários onde não se vislumbra mais delimitação clara entre o natural e o sintético. Os riscos de tutela, contra os quais o libelo iluminista se dirigia, mudam de face. Não se trata mais de priorizar a necessidade de destutelarizar o intelecto contra os grilhões mentais da escolástica m e d i e val. O anestesiamento do espírito crítico tem novos port a d ores. Superar a dominação tutelar de “pedagogos, terapeutas e planej a d o res do sentido da vida” é um desafio que ganha re n ova d a s dimensões. E uma atualização dos versos de J.W. Goethe parece ser i m p e r a t i va: “... Quem possui capacidade de confrontação ética com a modernidade tem também tecnociência. Quem isso não possui, tem tecnociência” . A simples ampliação do espectro de poderes tecnocientíficos não pode ser identificada com um benefício para uma humanidade abstrata e genérica. Se tanto, é possível apenas associá-la ao benefício de um subconjunto social e historicamente determinado de pessoas. E a identificação desse subconjunto com a totalidade opera uma perversão do ideal da liberdade, para dele fazer elemento de uma retórica a serviço da perpetuação de privilégios. Já fomos há tempos adve rtidos por Max Weber de que “n e n h u m a ciência é absolutamente isenta de pré-condições” (2). E uma précondição fundamental é que o produto do trabalho científico seja algo valioso de ser conhecido. Esta valoração é prévia ao trabalho científico em sentido estrito. Os objetos de conhecimento apresentam-se vinculados a contextos de interesse não tematizados na pesquisa. Apenas nesse sentido pode ser lícito afirmar que a ciência em ato seja valorativamente cega. Mas isso não implica que, usando as palavras de Max Weber, para a práxis científica existam sempre diferentes deuses a serviço dos quais ela possa ser exercida. É em função de qual deus se segue, que são fixadas respostas ao questionamento sobre o que é bom de ser conhecido. Desse modo, na perspectiva weberiana, a ciência em si não é va l o r a t i vamente neutra, embora as decisões sobre que d e u s s e g u i r não possam ser consideradas certas ou erradas, do ponto de vista c i e n t í f i c o. A questão se o programa de pesquisas tecnocientíficas contemporaneamente hegemônico segue ou não o deus verdadeiro não é, na perspectiva weberiana, passível de ser respondida pelos saberes tecnocientíficos especializados. Mas ela pode e deve ser colocada filosoficamente, como uma condição para que a prática científica possa ter o valor de sua liberdade. Se a aposta originária do Iluminismo incluía a formação ética da pessoa pelo valor pedagógico da ciência, a práxis tecnocientífica corrente nos centros universitários e institutos de pesquisa da modernidade contemporânea dá cotidianas evidências de não corresponder a isso. Atribuir a tal práxis uma potência etizante da vida seria mais que uma enganosa ilusão, uma ve rdadeira empáfia. Mas se hoje a formação tecnocientífica não se deixa imediatamente identificar com uma etização do caráter da pessoa, tampouco devemos desistir de dar ao vínculo entre ciência e vida aquela efetividade que Wilhelm von Humboldt (3) queria associar à “idéia moral”, pois podemos, pelo menos, não abrir mão do empenho por unir os efeitos da cientifização das condições de vida com as virtudes da cientificidade: modéstia, prudência, objetividade, crítica e autocrítica. Isso pode e deve permanecer parte vinculante da pedagogia da “razão razoável”. E justamente “razoável” por não pretender fazer da objetivização do racional a razão de ser de toda realidade. Num escrito de 1982 (revisado e modificado em 1990) Edgar Morin e s c re veu: “...sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e |
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| Ending Page | 49 |
| Page Count | 4 |
| File Format | PDF HTM / HTML |
| Volume Number | 57 |
| Alternate Webpage(s) | http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n1/a21v57n1.pdf |
| Language | English |
| Access Restriction | Open |
| Content Type | Text |
| Resource Type | Article |